sábado, 12 de março de 2011

Carta para meus amigos que tem (ou tiveram) algum cargo público

Meus caros
É com dor e tristeza que escrevo estas linhas. Neste momento de caos, não é de bom tom ficar apontando falhas ou omissões do passado. No presente, presente sério e agudo, temos mortos para enterrar e vivos para cuidar. O presente exige cuidados, e cuidados urgentes. Não é hora de brincadeira nem de reclamação, é hora de ação. Vi agora, pela internet, dos desabamentos no morro da laranjeira, e soube das enchentes no Maria Luiza e outros bairros. Minha terra se cobre de lama, luto e desamparo.
É com tristeza que vejo se repetir, em Antonina, as muitas tragédias anunciadas do chuvoso verão brasileiro. Também é com tristeza que vejo que as principais vítimas são as pessoas mais simples e humildes, que são induzidas a ocupar áreas de risco.
Antonina é um fundo de baia, cresceu a partir do aterro de mangues. Logo, portanto, é uma área baixa, sujeita a alagamentos. Não é o mesmo problema de Morretes, cujos problemas de enchentes são de ciclo mais curto, isto é, acontecem mais repetidamente. Lá em Morretes, o problema é o Nhundiaquara, que concentra todas as águas da serra e as despeja como enchente na planície, justamente onde fica Morretes. Em Antonina, por estar sujeita só à ação das marés, as cheias tem um ciclo mais longo, ou seja, acontecem a cada trinta, cinqüenta, cem anos. Perguntem aos mais antigos e teremos uma confirmação de um ciclo de enchentes na cidade.
Quanto aos morros, o problema é outro. Nós ficamos sempre nas franjas dos morros, e só no século XX começamos a ocupar mais intensamente a franja de morros ao redor do morro da Graciosa de Cima, na Laranjeira, no Buraco Da Onça. Do outro lado, temos a região do Batel, o Morro do Salgado, a Caixa D’água. Ali se concentra, majoritariamente, a população mais simples, que vai lentamente ocupando pequenos lotes e construindo suas casinhas.
As encostas dos morros e das serras estão sempre em evolução. Deslizamentos são fenômenos naturais  muito comuns em épocas de grandes chuvas. No passado, quando os morros não eram ocupados, os deslizamentos de terra ocorriam e ninguém nem percebia. Quando nós permitimos a ocupação destas áreas, seja por ação, seja por omissão, os deslizamentos de terra deixam de ser fenômenos naturais e passam a ser riscos geológicos. Risco geológico é quando um fenômeno natural causa perdas materiais ou humanas.
Essas tragédias nos pegam de surpresa, são fatalidades do inexorável destino? Nem um pouco. Monitoramento feito pela ADEMADAN e pela UFPR mostra que o morro da Laranjeira é uma área de risco e estava trabalhando com possíveis soluções para a população da área. Para detalhes, ver http://www.ademadan.org.br/home/?pg=4_3. por outro lado, meu amigo Eduardo Bó, sempre ele, que as vezes é considerado um chato,  mas sempre coerente e certo nas suas ponderações, reclama todas as vezes que pode da implantação de um Plano Diretor em Antonina.* Já existe um Plano Diretor, feito por pessoas competentes, mas que não sai nunca do papel. Vocês, meus amigos, que tem ou tiveram cargo público em nossa cidade, sabem nos dizer por quê?
Por isso, por tudo isso, reitero a vocês, meus amigos, todos os que têm algum poder de decisão em nossa querida Deitada-a-beira-do-mar: é preciso enxergar esta tragédia com os olhos do futuro, é necessário usar a ciência em conjunto com a cidadania. É preciso implantar um plano diretor, é preciso evitar a ocupação de áreas de risco, é preciso ter planos de emergência para as situações de calamidade. Coloco-me a disposição para contribuir neste debate, com meus parcos conhecimentos, em colaboração com outras pessoas que possam e queiram ajudar. Mas que não seja uma “comissão de doutores”.  é sempre bom frisar que a comunidade que mora nas áreas de risco tem que necessariamente ser ouvida e ter poder nas decisões que se venham a tomar. Quando eu digo ajudar é de verdade, sem exclusão de pessoas, sem cálculos eleitorais imediatistas. Vamos tentar?

Jefferson Picanço

* o grifo é do bloguista

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